segunda-feira, 14 de abril de 2008

Cataguases, por Bárbara Freitag

O patrimônio artístico de Cataguases

Cataguases, Porto dos Diamantes ou Meia Pataca, seus nomes antigos, fica a meio caminho do Rio de Janeiro para Belo Horizonte. Trata-se de uma cidade da mediação, que passou da busca de ouro e diamantes à plantação do café e deste, à indústria têxtil. No bojo dessa descentração do passado, deixou para trás a tropa de muares e o carro de boi, para apostar no trem, automóvel e caminhão. Sua riqueza deslocou-se, do setor primário do minério e do café para o secundário: a fábrica de tecidos.
Apesar de várias construções da cidade terem sido tombadas pelo IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico Nacional) desde 1994, Cataguases não se notabiliza por nenhuma igreja, nenhum palácio, nenhuma residência episcopal que lembre a colonização portuguesa. Seu nome de origem indígena, Cataguases, está ligado aos “Verdes modernos” por sua afinidade eletiva com a literatura, a arte, o cinema, a arquitetura moderna. Aqui alguns nomes: Francisco Inácio Peixoto, Cristina Ávila, Athos Bulcão, Djanira, Portinari, Iberê Camargo, Oscar Niemeyer, Burle Marx, Humberto Mauro. Alguns desses nomes reapareceriam, atuando em Belo Horizonte, no Projeto da Pampulha, na década de 50, e, posteriormente, na década de 60, em Brasília. Graças a esses modernistas, que na década de 40 ensaiaram em Cataguases as suas primeiras obras, grande parte das construções do centro e do entorno foi tombada.
Como fundador da cidade seus habitantes festejam o inspetor de serviços do primeiro reinado, Guido Tomaz Marlière. Em 1828 ele foi enviado para Porto dos Diamantes (futuro Município do Rio das Pombas) para inaugurar uma nova política que protegesse os índios dos abusos dos brancos na Zona da Mata. Mas foi com a inauguração, em 1877, da Estrada de Ferro Leopoldina, que a cidade viveu a transição econômica do café para a indústria têxtil, até hoje a base de sua economia e do seu mecenato artístico.
Num primeiro passeio pela cidade de ca. 80 mil habitantes, chamam atenção alguns prédios como a Estação Ferroviária de Cataguases (em estilo inglês), que a Prefeitura da cidade transformou em Centro Cultural Eva Nil, a musa revelada, nos anos 20, pelo cineasta Humberto Mauro. Este, por sua vez, ganhou em 2002 um Centro Cultural que leva o seu nome no local onde antes funcionava o Cine Machado e recebeu de Amílcar de Castro um monumento de ferro de 15 toneladas, em formato de uma porta aberta, na Avenida que tem o nome do homenageado.
Dois prédios tombados foram projetados pelo jovem Oscar Niemeyer: o Colégio Cataguases, atual Escola Estadual Manuel Inácio Peixoto, e a residência de Francisco Inácio Peixoto, culto, sensível, atenado com a modernidade. Por entre as folhagens, percebem-se os nus esculpidos por José Pedrosa, em meio ao jardim projetado por Burle Marx. O Colégio, ainda em sua versão anterior ao projeto modernista, formou na década de 20 os autores que colaboraram com a Revista “Verde” como: Ascânio Lopes, Camilo Soares, Rosário Fusco. Esses, estabeleceram contato com a Revista de Antropofagia e outras similares do Rio e de B.Horizonte.
Muitos moradores da cidade também atribuem o risco do prédio do Hotel Cataguases e da matriz de Santa Rita de Cássia ao “imortal” Niemeyer. Nisso, contudo, estão enganados. O Hotel moderno foi projetado por Aldary Toledo e Gilberto Lemos; a matriz, em sua terceira versão (uma capela e uma igreja de estilo gótico foram derrubadas) foi desenhada por Edgar Guimarães do Valle e o painel de azulejos no frontal, realizado por Djanira.
A fábrica de Fiação e Tecelagem Cataguases, fundada em 1905 por Manuel Inácio Peixoto com arquitetura típica das construções inglesas, abriga hoje o Instituto Francisca de Souza Peixoto com um Museu de Belas Artes, um teatro aberto ao público, várias oficinas de artesanato, música, uma biblioteca real e virtual. Em seu acervo, o Museu conta com obras de Guignard, Portinari, Iberê Camargo e tantos outros. Visitando esse Instituto em meados de fevereiro deste ano, a convite do seu diretor Marcelo Peixoto, vimos uma exposição temporária de gravuras e desenhos do jovem Athos Bulcão; e a partir de março, na Fundação Galeria Oscar Araripe, em Tiradentes, uma seleção cuidadosa dos “Verdes Modernos” de Cataguases. Entre os quadros expostos encontram-se os de Iberê Camargo, Francisco Lopez, Jan Zach, Norha Beltran, José Pedrosa, Marcier e outros. Com essa parceria entre o Instituto de Cataguases e a Fundação tiradentina, Minas e o Brasil ganharão duas vitrines em que passado, presente e futuro se condensam. O rico acervo de modernistas do século 20, exposto em uma cidade colonial que esbanja tradição, promete dar sentido ao conceito de arte cunhado por Kant: “O prazer desinteressado”. Se esse casamento for abençoado, ainda teremos muitas surpresas e muitos prazeres.

Barbara Freitag

Tiradentes, 08 de março de 2008

Nota:

http://www.unb.br/ics/sol/itinerancias/grupo/barbara/barbara.html


Profa. Barbara Freitag-Rouanet

Barbara Freitag-Rouanet é Professora Titular do Departamento de Sociologia da UnB/Brasília e Livre-Docente/Prof.Habil.) da Universidade Livre de Berlim.
Entre suas publicações na área de sociologia e cultura urbanas, destacam-se a coletânea "Cidade e Literatura ", no.especial da Revista Tempo Brasileiro: Rio, 132/1998. Outros artigos publicados nessa área: "Deux villes (Berlin et Brasília) entre l'histoire et la raison"(1993), "Berlim: fronteiras imaginárias, fronteiras reais ?" (1994) , "Lissabon und Eça de Queiroz"(1995); "Brás-Mitte: Stadtkulturen und Subkulturen der Stadt"(1997),"Der Mythos der Megalopolis in der brasilianischen Literatur"(1998), "Die Urbanisierung Portugals heute: am Beispiel Lissabons"(1998); "A urbanização de Lisboa"(1999), "Rio de Janeiro: eine literarische 'Flânerie'"(1999); "A cidade brasileira como espaço cultural: um diálogo com Vilém Flusser" (1999).
Foi bolsista do CNPq com bolsa de Reintegração de Doutores (1983/84), recebeu auxílio de pesquisa para a estudantes de "iniciação científica"para pesquisa sobre "Alfabetização e linguagem no DF"(1985-89). Em 1998 recebeu bolsa do CNPq como professor visitante (curta duração) dos cursos de sociologia urbana da UERJ e da UnB/SOL (Processo 45.0365/980). Em várias ocasiões foi parecerista ad hoc do CNPq e da CAPES.

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