sexta-feira, 18 de julho de 2008

Uma pesquisa...

O presente artigo é parte de um trabalho maior, uma continuação do que foi minha participação na pesquisa de iniciação científica do curso de comunicação das Faculdades Integradas de Caratinga em 2002. Juntamente com Morgana Garcia e André Luiz, fomos orientados por Carlos Alberto Ávila Araújo. Com o projeto fizemos diversas apresentações e entrevistas, participamos de Congressos (IFIS, SIPEC, INTERCOM) e fomos vencedores da jornada de iniciação científica do Intercom - o INICIACOM ocorrido em 2002 em Salvador. Foi uma das experiências mais bacanas que já participei. Um orgulho. Valeu a pena e muito me acrescentou.
Como disse, que o meu texto é parte de uma pesquisa maior que pode ser acessado na íntegra www.ichs.ufop.br/conifes/ac2.htm ou www.ichs.ufop.br/conifes/anais/CMS/cms2102.htm
apresentado no IFIS em Ouro Preto. E a pesquisa também é parte do grande projeto "Narrativas do Cotidiano na Mídia, na Rua" preparado pelo GRIS - UFMG e pode ser acessado em www.fafich.ufmg.br:8080/gris/quemsomos/historia/narrativas_i.pdf
MÍDIA E IDENTIDADE
O homem comum como espetáculo na TV aberta Brasileira
Moinique Gardingo

O século XX assistiu ao surgimento da cultura de massa, uma nova forma de cultura que passou a conviver com as duas anteriores (Erudita – perfeição, qualidade - e Popular – atingia grande número de pessoas). Assim, pode-se seguir de um lado a problematização da Cultura de Massa sobre o problema da revolução cultural; e de outro lado à crise da cultura sobre a crise da sociedade.
A Indústria Cultural transforma o que era belo e único na Cultura Erudita em modelo para o novo belo que se espalha e reproduz na Cultura de Massa, quando a estética e a própria vida se adiantam à arte, a beleza pode ser tocada por muitos,ela se reproduz e é consumida de forma massificada. A tudo pode se reproduzir, copiar. A arte não se encontra mais em um quadro único e referencial da Monaliza em que todos apenas possam desejar e admirar como na cultura erudita, mas ela passa a ser palpável e conquistada quando a cultura de massas, quantifica e realiza os anseios de um público.
Enquanto há de um lado manifestações de agressão que lutam para não por fim ao que é belo, único, erudito, de outro lado, as pessoas se atiram no universo ‘caótico, dos sonhos, da cultura de massas’ – a arte pop, que se expande e atingi a todos.
O homem consumidor já não se interessa mais apenas pelo consumo massivo, ele também se desinteressa rápido pelo produto. A indústria cultural nos propõe produtos instáveis, inconstantes, desenraizados. E ‘a vida se torna menos escrava dos bens materiais e mais escrava das futilidades’. E para criar novos modelos que afloraram o consumo impulsivo, a indústria cultural aposta nos meios de comunicação e expande as celebridades da TV.
Com a cultura de massas passa a haver uma busca pela identidade, o individualismo, as pessoas deixam de sentir, fruir – cultura ilustrada -, para ter, consumir e imitar.

“Aparecerão nas sociedades evoluídas, cada vez mais, se elas continuarem em sua corrida para a prosperidade, o irracionalismo da existência racionalizada, a atrofia de uma vida sem verdadeira comunicação com outrem, como sem realização criadora, a alienação no mundo dos objetos e das aparências. As crises de furor dos jovens, os tormentos existenciais dos intelectuais, as neuroses espiritualistas dos burgueses de Passy já são sintomas de uma crise que sem dúvida se generalizará um dia”. E. M.
“Sociologia de um fracasso”, France-observateur, 5 de novembro de 1959.
Os meios de comunicação como produto da indústria cultural, oferecem aos consumidores um mundo de sonhos. O consumidor se sente bem ao ver na TV algo que tem (parecido) ou que gostaria de ter. A TV passa a se misturar com o cotidiano das pessoas. As informações chegam prontas e as regras são feitas, os modelos são criados. É através dos Meios de Comunicação que se sabe como estar na moda, qual a melhor tinta e qual a melhor cor usar no cabelo, sem falar dos jogos feitos através destes meios de comunicação que podem realizar sonhos como o da casa própria, ganhar um carro, saldar uma dívida, entre outras concessões que, ao contrário da vida capitalista, os meios de comunicação podem oferecer e realizar.
Como toda cultura produz algo, a cultura de massas produz seus heróis, decompondo o que é belo, sagrado e único, para construir celebridades que se tornam galãs, ídolos e campeões que se reproduzem com a mídia. Esses deuses criados e sustentados pelo imaginário ditam normas de consumo e servem de sonhos e modelos para vida.
“No encontro do ímpeto do imaginário para o real e do real para o imaginário, situam-se as vedetes da grande imprensa, os ‘olimpianos’ modernos”. (MORIN, 1997: 105)
Segundo Edgar Morin, essas celebridades se igualam aos Olimpianos (com uma referência aos “Deuses do Olimpo”), elevam suas vidas a um nível de estrela e passam a ser idolatradas como deuses. Esses Olimpianos criam um mundo de sonhos e fantasias no resto da humanidade. Vivem uma vida dupla, meio real, meio fantástica, unindo sua beleza real às suas representações, passando a ser modelos de uma vida. Regina Duarte e seu tratamento com a filha em participações em novelas e também na vida real se tornam exemplo e modo de como muitas mães passam a cuidar de seus filhos. Esses artistas passam a ser sobre humanos. Mesmo quando morrem materialmente, eles continuam existindo como personagens, no mundo imaginário, nas revistas, jornais, rádios ou programas de TV, que reproduzem suas músicas, repetem novelas de que fizeram parte e assim, esses célebres revivem seus atos nos MCM e no imaginário das pessoas.
“Os novos olimpianos são, simultaneamente, Magnetizados no imaginário e no real, simultaneamente, ideais inimitáveis e modelos imitáveis; sua dupla natureza é análoga à dupla natureza teóloga do herói-deus da religião cristã: olimpianas e olimpianos são sobre-humanos no papel que eles encarnam, humanos na existência privada que eles levam. A imprensa de massa, ao mesmo tempo investe os olimpianos no papel mitológico, mergulha em suas vidas privadas a fim de extrair delas a substância humana que permite a identificação”. (MORIN, 1997:107)
Na história da TV brasileira, tradicionalmente, o protagonista principal sempre foi o famoso, o astro e estrela. Porém, atualmente Gente Comum vem sendo chamado a condição de protagonista. Contudo, no conteúdo da programação televisiva atual podemos perceber dois tipos de personagens: o famoso e o não famoso.
Criando um mundo de sonhos e fantasias no "resto da humanidade". Os Olimpianos, ou seja, as celebridades levam uma dupla vida, misturando o fictício com o real.
São eles: artistas, atletas, playboys, patricinhas, líderes de opinião, "Deuses do Olimpo", entre outros que se destacam diante de uma sociedade, passando a ser modelos de representações de uma vida. O famoso seria aquele que possui um equilíbrio em beleza, heroísmo e sucesso financeiro e repleto de carisma.
Sendo formatos de beleza e consumidores de produtos, eles realizam fantasias e satisfazem os anseios dos "meros mortais", que os tratam como superiores, fazendo deles seus ídolos. Vestindo roupas parecidas, cortes de cabelo igual, ou pregando fotos desses ídolos por toda parte da casa.
Estão sempre realizando sonhos; fazendo e sendo representações. Como: Chacrinha, Ayrton Senna, Marlyn Monroe, e outros que no auge de sua carreira, mudaram "de estado", deixaram de representar, para ser agora, representados, participando ainda da fantasia e do mundo imaginário das pessoas sempre com a mesma imagem do belo, nunca envelhecendo nem perdendo a popularidade. Por isso vivem com uma intensidade muito maior do que ex-célebres, como: (Tiririca, o grupo do Balão Mágico, Wanderléia, e outros). Que embora não tenham “mudados de estado", eles sim, deixaram de ser celebridades para criar celebridades. Estes envelheceram e deixaram de ser modelos, pois perderam a beleza, passando a ser reais, ou seja, um indivíduo comum, que saiu do mundo da fantasia para participar do cotidiano.
Cheios de destaque e brilho, são eles as Vedetes da imprensa, que intercruzam os meios de comunicação com a massa. E é essa informação, essa aparição que os fazem brilhar cada vez mais. Por isso passam a ser de interesse público o seu mais íntimo modo de vida. Sendo eles, um grande modelo da "Cultura de Massa" e do estrelato publicitário, "fazendo a comunicação entre três universos: o do imaginário, o da informação e dos conselhos e incitações de normas". Com isso é quebrado o modelo tradicional: "escola, família", para que os meios de comunicação através dessas vedetes da imprensa ditem as novas normas a se seguir.
Já, os não famosos são os Homens Comuns, aqueles de vida simples, que constroem os fatos, mas que não ganham títulos. Com pouca aparição nos meios de comunicação, o homem comum vive idolatrando celebridades, vivendo de imitações, está sempre copiando modelos impostos pelos famosos. Cria para si uma nova vida, a vida imaginária, misturando sua dura realidade (com mais trabalho do que diversão), com a emoção de uma novela, a paixão por seu cantor preferido (poder vê-lo de perto em um show) e a satisfação de poder fazer de um célebre seu ídolo.
“Chamado 'cada um' (nome que trai a ausência de nome), este anti-herói é também Ninguém, Nemo , da mesma forma que o Everyman inglês se torna Nobody ou Jederman alemão se torna Niemand. É sempre o outro sem responsabilidades próprias (“ a culpa não é minha, mas do outro: o destino “) e de propriedades particulares que limitam o lugar próprio (a morte apaga todas as diferenças). No entanto, mesmo neste teatro humanista ele ainda ri. E nisto é sábio e louco ao mesmo tempo, lúcido e ridículo, no destino que se impõe a todos e reduz a nada a insenção que cada um almeja”. (CERTEAU,1994: 60)
Segundo Michel de Certeau, o homem comum é aquele ser ordinário, que surgiu na modernidade em meio à confusão capitalista industrial da luta de classes. É aquele que escuta ordens, que se justifica, que não é admirado mas que admira. É ele o “homem sem qualidades” (uma referência a Musil), o trabalhador braçal, que constrói mas que nunca leva o nome. Fazendo parte da multidão, ele não é cada um, perante os meios de comunicação, ele não existe isoladamente, é apenas parte de um todo representado em um lugar comum. Esse lugar que o meio desconhece como cada um e ao mesmo tempo conhece e valoriza-o como espectador. Pois é esse homem, o homem comum que cria os personagens (os famosos apenas se tornam estrelas quando são queridos e desejados pelos fãs), lhes dá força e os faz viver nos meios de comunicação. E assim o homem comum é feliz, mas não pela consciência de criar personagens, mas pelo fato deles existirem e lhes proporcionarem modelos para consumo e construção de vida. Com isso ele não entende sua própria vida, ela passa a ser dupla: meio real, meio fantástica. Mistura momentos de sonhos com a dura jornada de trabalho de seu anonimato. Mas ele se sente bem, ele tem o direito de sonhar, de imaginar, aliás esse é seu papel, dependendo apenas do meio de comunicação para lhe reproduzir tais imagens. Ele pode até não ter algo, mas pode vê-lo com seu ídolo. E mais do que isso, pode escolher seu ídolo como um modelo e representação para seguir e adotar como um modelo próprio, porém ilusoriamente.
Como um homem marginalizado, ele deve sempre servir e só participa de decisões ou grandes eventos através da aproximação que os meios lhes proporcionam.
Mas um dia suas diferenças apagam. Ele é um homem que morre - essa é a lei do outro. Mesmo que sua vida íntima não interesse a ninguém, ele sabe que um dia se tornará igual, porém igual a outro "outro".
“O enfoque da cultura começa quando o homem ordinário se torna o narrador, quando define seu lugar (comum) do discurso e do espaço (anônimo) de seu desenvolvimento”. (CERTEAU, 1994:63)

Segundo Freud, citado por Certeau, a vida do homem ordinário é baseada na ilusão do espírito e na sua desventura social.
É um homem que não ri. Ele sofre. É submetido à vida da mentira e ao tormento da morte. Seu destino é desprezível e frustrado.
Um homem que nasce para servir e viver num futuro da ilusão. Pois esse homem cria imagens de superiores para viver. Sua vida comum não lhe satisfaz.
Com tanta luta e pouca recompensa, esse homem deposita todas suas crenças em Deus. Ele é um teocentrista nato, que transfere toda sua causa de existência a Ele. Submete-se assim, a essa vida "sem eira nem beira", sabendo e contentando-se com a vida que Deus lhe deu. E embora muito crente, ele é também um homem supersticioso, daqueles que transfere ao seu destino todas as suas faltas e incertezas.
Cheio de imaginação ele cria um mundo ilusório que lhe preenche e faz com que ele seja "cada um e ao mesmo tempo ninguém". Afirmando que apesar dele compartilhar de um espaço comum em uma vida comum, essa vida não interessa a outros "outros", a não ser ele mesmo.
Com isso ele monta um mundo imaginário, onde ele cria suas celebridades e vive como elas, fazendo com que elas sejam modelos aos quais ele deve seguir.
Sendo um grande admirador de seu ídolo, capaz de colocar em todos os porta-retratos da casa, fotos de seu artista preferido, deixando que eles insiram e coordenem sua vida quebrando um modelo tradicional pré-imposto – escola e família.
Analisar separadamente a vida do homem ordinário e a vida das celebridades é um ato quase impossível. A existência desses diferentes e quase opostos modos de vida, dependem uma da outra circunstancialmente.
Para ver essa existência mútua e até faze-las trocar de posições é que existem os meios de comunicação de massa. São eles que apresentam um - Célebre - ao outro - ser ordinário, o homem comum. Fazendo dessa apresentação um círculo vicioso, onde os meios apresentam suas vedetes, criando celebridades que sustentam os meios, lhes dando audiência, sustentada pela massa, que é composta pelo homem comum - que ao mesmo tempo é recompensado a ter condições de ver e sentir algo que sua própria vida não é capaz de proporcionar.
E é essa transposição de atos (realidade - fantasia) que tem mudado a forma e a programação dos meios de comunicação. Tirando o homem comum do seu mundo ilusório, fazendo-os ser vedetes por um dia - em programas como o Sociedade Anônima, colocando-o lado a lado do seu ídolo, realizando seus sonhos e fazendo aparecer, em quadros como Um Dia de Princesa, A Princesa e o Plebeu; mostrando sua vida privada - antes desinteressante - ser de interesse público de forma trágica, engraçada, ou mesmo cotidiana (em programas como, Ratinho, Sílvia Popovic, Linha Direta e Cidade Alerta).
E é Essa pessoa que vem, cada vez mais, mostrando sua cara e até mesmo se unindo a celebridades nos programas de TV é o não Olimpiano. A pessoa comum que não foi ao programa para brilhar ou ser presença marcante, tanto que dias depois até seu nome é esquecido. O seu papel nesses programas é ser atendido na realização de um sonho, ficar cara a cara com seu ídolo, expor um fato engraçado ou trágico da sua vida, jogar em troca de prêmios, mostrar que é uma vítima do destino através do sofrimento vivido e até mesmo servir de palhaço (arrancando risos em vídeos cacetadas ou contando fatos íntimos de sua vida).
“É provável que, em média, o conhecimento dos americanos a respeito das vidas, dos amores e neuroses de semideuses e deusas que vivem nas alturas olimpianas de Bervely Hills ultrapasse de muito seus conhecimentos nos negócios cívicos”. (B. Rosenberg e D. Manning White)

As pessoas, num âmbito geral, têm grandes interesses por seus ídolos do esporte, da música e da TV, e com essa programação superpopular que vem invadindo o dia-a-dia da TV brasileira, a condição do fã saber e até conhecer seu ídolo se tornou potencializada e o homem comum deixou de viver o imaginário com seu ídolo para compartilhar com ele o “mundo cão” dos meios de comunicação.
“A mitologia eufórica do indivíduo privado dá lugar , a uma construção de utopias concretas como clubes de férias nos quais podem desabrochar virtualidades abafadas na vida cotidiana urbana dedicada ao trabalho e às obrigações, e, de outra parte, a problemática da vida privada em que a cultura de massas apresenta os problemas do casal, da sexualidade, da solidão, etc”.
(MORIN, 1986: 109)
Através dos programas coletados (Domingão do Faustão, Fantástico, Linha Direta, Sociedade Anônima, Sílvia Popovic, Programa do Ratinho, Show Do Milhão, Domingo Legal, Superpositivo, Hebe, Topa Tudo por Dinheiro, Raul Gil e Domingo da Gente), podemos perceber que a aparição de pessoas comuns se dá em cinco diferentes formas nos quadros da programação de TV aberta brasileira: Circo, Sonhos, Vítima, Jogos/Games, e Tribunal/divã, envolvendo em todos eles a construção da identidade da pessoa comum nesses programas, baseadas na aparência física, modo de vestir, cabeça baixa, fala acanhada e descomprometida – não se importam em preservar sua privacidade - a falta de identificação e a forma como se submetem ao apresentador.
Circo é uma condição exacerbada em que a pessoa comum vai ao ar, com o objetivo de aparecer na TV, ela sempre arruma um jeitinho para contar sua vida seja de forma constrangedora, engraçada, triste. Mas nesse quadro, por mais que seja triste ou dramática a história, sua característica é sempre arrancar risadas, em casos de traição, dívidas, tombos, calouros e histórias de família. Há também as vídeo cassetadas que mostram a pessoa comum em situação engraçada ou de risco. Outro exemplo do mesmo gênero nesse quadro dos programas superpolares é mostrar fatos bizarros como doenças como um caso de elefantíase acentuada, animais tendo relações sexuais com pessoas.
Uma das principais formas de identificar essa tipologia nos programas é perceber o cenário, no caso do Programa do Ratinho é enfeitado a caráter, é muito colorido, além dos personagens, que se vestem de maneira engraçada como se estivessem fantasiados.
O cenário é uma grande lona de circo. As paredes em cores vibrantes, vermelho, azul e amarelo. À direita ficam Sombra e o DJ. À esquerda fica a tribuna dos participantes, uma porta por onde entra as pessoas que fizeram pedido de DNA. Ao lado a banda e a janela do Xaropinho e do Tunico. No fundo tem a porta por onde entra os alguns convidados e do lado a “porta da esperança”. Todo o cenário é muito colorido e iluminado, com luzes estilo pisca-pisca por toda parte. No centro ficam as poltronas também nas cores azuis, amarelas e vermelhas. Como o programa tem muitas propagandas, a cada comercial um stand é montado. (Programa do Ratinho – 07/05/2001)
Outras características deste quadro são: a forma como são feitas as chamadas para iniciar um novo quadro, a maneira de identificar a platéia (“suas sirigaitas encalhadas”), os convidados (Solange da Silva – virou amante do amigo, ou, marceneiro – telefone de contato, amante de Solange); e os calouros do quadro Show de Calouros. Eles não vão com a intenção de realmente cantar, nunca terminam uma música sequer, são vaiados e ainda assim recebem cem reais por terem preenchido aquele espaço do programa.
Ratinho entra e começa o programa fazendo as chamadas do dia. Estas chamadas são sempre rimadas e no final de cada uma Ratinho diz “A cobra vai fumar”. Sombra logo em seguida chama a primeira atração. O bailarino diz que o Michael Jackson é veado, para puni-lo Ratinho lhe dá cacetadas ao mesmo tempo em que chama os “Novos cantores”. O primeiro cantor é de Minas Gerais, mostra-se um vídeo com imagens de Minas e a banda canta uma música de Minas. O cantor começa a cantar e é vaiado pela platéia por ser muito ruim. Ratinho o manda ir embora e chama o segundo cantor, que vem do Sergipe. Novamente passa um vídeo com imagens de Sergipe e a banda canta uma música do estado. O cantor mal canta a primeira frase e é vaiado pela platéia, Ratinho o interrompe e diz: “Leva cem (R$100,00) e não volta mais”. (Programa do Ratinho – 07/05/2001)
As pessoas comuns que vão ao programa do Ratinho, têm acentuada diferença de qualquer celebridade – barba mal feita, mulheres muito gordas e vestidas de forma escandalosa e cores fortes, seu vocabulário é composto basicamente de xingamentos (chifrudo, corno, piranha, vagabunda). Além da forte presença de fatos bizarros, em que a platéia e os personagens do programa riem e fazem brincadeiras e chacotas. Ratinho sempre consegue uma solução para o caso.
Na tribuna, Ratinho chama Maria de Lourdes, a mulher que era branca e ficou preta. Um caso raro que nenhum dermatologista conseguiu explicar. Maria de Lourdes levou a cunhada e contou a história. Um vídeo foi passado. Ratinho comparou as fotos da mulher e disse que ela é uma Michael Jackson às avessas. (Programa do Ratinho – 07/05/2001)
Esse quadro na maioria das vezes trata de assuntos como traição, brigas familiares ou com vizinhos para saldar dívidas e até mesmo roubo ou ameaças. Em quase todos os casos, o assunto é sexo, e as pessoas vão ao programa pra resolver seu problema e escutar conselhos do apresentador. Esses convidados se apresentam mal vestidos, mulheres com cabelos compridos, sem corte e mal cuidados, falam rápido, enrolado, de forma estabanada, discutem, falam todos ao mesmo tempo, enfim armam um grande barraco no ar. Com uma platéia, composta de pessoas que se submetem a sujar (Ratinho e os convidados jogam farinha, água e outras coisas que sujam a platéia), ouvir xingamentos (suas sirigaitas, seu bando de lavadeiras), em troca de aparecer na TV, fazer parte de um programa.
Sonho ocorre quando a pessoa comum vai ao programa com o objetivo de realizar seu sonho ou desejo de conhecer um ídolo, de ganhar uma casa, de rever a família. Enfim, a pessoa está lá para obter um ganho pessoal.
A telespectadora, Dona Laudeci escreveu uma carta para o programa fazendo um pedido. Ela gostaria de que o programa realizasse o sonho de Vera, sua filha e Michelle, sua sobrinha para assistirem ao show do grupo internacional, Backstreet Boys. O show estava para acontecer em São Paulo. A matéria começa com a chegada da produção na casa de D. Laudeci. A residência de Laudeci é simples e fica numa região pobre de São Paulo. Ela conta que a filha e a sobrinha estavam loucas para assistirem ao show dos Backstreet Boys. Quando vêem a produção do programa chegando, as duas garotas ficam emocionadas. Cada uma delas agradece pela oportunidade de conseguirem realizar o sonho. Vera, Michele e D.Laudeci foram assistir ao show. Enquanto elas estavam no show, foram mostradas imagens do espetáculo. Ao final elas agradecem novamente a Netinho pela chance e pela alegria de poderem ver seus ídolos de perto. (Domingo da Gente 06/05/2001)
Essa espécie de quadro de realização de sonhos é uma reafirmação de que fã e ídolo são diferentes e representam papéis diferentes. O homem comum idolatra, sonha em conhecer, ver de perto, poder pegar na mão, enfim, estar cara a cara com seu ídolo. O que envolve esse quadro são cartas com o pedido de realização do sonho, dinheiro, casa própria, carro, passar o aniversário ao lado do ídolo, o fato de aparecer na TV, ganhar algo, rever alguém, conhecer um ídolo, envolve sentimentos como alegria, emoção, tristeza, choro, sorrisos e felicidade da conquista do sonho.
D. Aparecida Lopes escreveu para o programa para solicitar a realização do sonho do marido, João, que desde jovem sonha em ter uma sanfona. Na chegada da produção à casa de João, Aparecida fica emocionada ao saber que teria o sonho do marido realizado. O repórter Humberto Ascêncio vai até a firma na qual João trabalha. Aparecida comunica ao marido a felicidade de poder realizar o sonho dele. Ele contou para o repórter que nunca pôde comprar uma sanfona. Em seguida, todos vão até uma escola de música. Primeiramente, João ganhou uma bolsa de estudos de um ano para ter aulas de música. Uma professora da escola demonstrou a ele como se toca, mas tudo não passou de uma brincadeira. O “professor” que lhe entregou o presente foi o sanfoneiro Dominguinhos. João e principalmente Aparecida ficaram muito emocionados. Ao final da matéria, Dominguinhos canta para o casal agradecendo a Netinho pela oportunidade. O casal vai ao programa e são recepcionados por Netinho. D.Aparecida tinha também o sonho de conhecer Netinho e ganhar um CD dele. O sonho foi realizado e ela ganhou um CD do grupo Negritude Jr., na qual o apresentador diz ser a melhor banda do Brasil. (Domingo da Gente – 06/05/2001)
No caso acima, as palavras sonho, realização, emoção, agradecimento, entrega, presentes, conhecer, ídolo, são elementos que comprovam a coexistência mútua de dois seres: o homem ordinário e o olimpiano, um que tem os sonhos e outro que pode realizá-los. É nesse momento dos programas que a pessoa comum expõe sua vida para comprovar a falta de condição na realização do sonho. É aí que há a permuta entre ídolo e fã , um admira, faz o outro existir e em troca o outro oferece a possibilidade de mostrar sua vida, realizar desejos e de servir de modelo. No programa Domingo da Gente, além de realizar sonhos, o apresentador Netinho de Paula, tenta, em um de seus quadros, elevar o papel da pessoa comum. No quadro Dia de Princesa, além de ser chamada de princesa, o tratamento por ela recebido é equivalente ao título. A sorteada do dia passa por um banho de loja e de visual, fica em um hotel de luxo, entre outras vaidades que sua dura realidade não poderia oferecer. Ela tem que contar com a própria sorte e confiar no destino, para ser sorteada e logo que isso acontece, ela deve expor sua vida. Contar casos tristes que emocionem os telespectadores, e viver um dia de alegrias e emoções – Um dia de Princesa. No primeiro contato entre princesa e Plebeu, percebe-se logo o sentimento da diferença, menina simples, casa e família simples, tendo contato face a face, com Netinho, rico, bem apessoado e apresentador de TV, sem falar da limusine, carro luxuoso, que a princesa nunca deve ter ao menos visto anteriormente, vai passar um dia inteiro dentro dele. O próprio apresentador ao falar da princesa do dia, destaca suas diferenças “Ela é toda envergonhada, toda assim bobinha, mas hoje ela é a princesa do dia”. E ela se comporta como se estivesse em frente a seus superiores, com um sonho realizado pela primeira vez.
Netinho conta um pouco sobre o bairro da Penha, onde a princesa do dia vive. Quando o plebeu – Netinho de Paula - chega a casa da princesa, ela fica emocionada, chora e dá um forte abraço nele. A conversa dos dois começa com Fabiana mostrando a agenda pessoal, com fotos de Netinho. Ele pede à princesa e ela lê a carta que enviou ao “Domingo da Gente” contando um pouco de sua vida e de seu sonho que era morar com sua mãe e seus irmãos. O primeiro problema que o plebeu encontra foi o mau relacionamento com a mãe, os avós e os tios. Ela mora na casa da tia e está sem emprego. Netinho propõem ir à casa da mãe de Fabiana. No trajeto eles conversam e a princesa conta um pouco da saudade que tem do pai. Ela afirmou que viu o pai pouquíssimas vezes na vida.
Ronildo, suposto pai de Fabiana, ficou surpreso com a presença da produção, mas tem dúvidas se é pai ou não da princesa. Ele é levado de Jacutinga, cidade próxima a Ouro Preto-MG, até São Paulo para fazer um exame de DNA.
Já à noite, num restaurante com uma mesa grande e confeccionada, a família de Fabiana chega para o jantar. O plebeu, com uma aparência elegante, recepciona a princesa no elevador do hotel. Ao chegarem na mesa de jantar, toda a família os recepciona com aplausos.
O Programa do Ratinho também realiza sonhos, não apenas de conhecer o ídolo, mas também de resolver casos Bizarros, ou tratamento de doenças.
Na tribuna Ratinho atende o desejo de Xandão, de Guaratinguetá, de conhecer o cantor Sérgio Reis e tocar berrante com ele. É o quadro “Meu sonho”. Alexandre, Xandão para os íntimos, tem uma doença chamada Cornélia Lange, mas gosta e participa de todos os rodeios da região. Ratinho manda mostrar o vídeo com a vida do garoto, depois brinca falando mal de Sérgio Reis. Pede então para ‘abrir a porta da esperança’ e aparece Sérgio Reis. Sérgio canta a música ‘Panela Velha’ a pedido do garoto, que dança. Depois canta sua nova música de trabalho ‘Cunhada Boa’ e Ratinho manda Vanessa (assistente do programa) dançar com Xandão. Sérgio toca berrante e depois o dá para o garoto junto com um chapéu da marca Sérgio Reis, um CD e um cinto. (Programa do Ratinho – 09/05/2001)
Há programas como Show do Milhão, que diretamente, não realizam sonhos, porém, oferecem grandes quantias em dinheiro para quem jogar melhor. E com o dinheiro ganho no programa, essas pessoas comuns realizam sonhos e mostram no programa o que fizeram com o dinheiro. Como é o caso de Odete, a primeira participante do programa que foi ao programa como objetivo de ganhar dinheiro para fazer uma cirurgia plástica no filho que se queimou com álcool, e acabou ganhando no programa um valor bem maior do que o esperado. A dádiva, o merecimento.
Todos os convidados têm desejos. A primeira participante Odete, dona de casa e mora em São Paulo, escreveu para ganhar o dinheiro que necessita para fazer a cirurgia plástica no filho Ciro, que se queimou com álcool em um churrasco com os amigos. Se conseguir mais do que precisa quer comprar uma casa própria. Ela conseguiu 50 mil reais. (Show do Milhão – 06/05/2001)
Um sonho sempre chega acompanhado de outro, cura de doença e o contato com ídolo, é um exemplo. A pessoa comum tem como base às celebridades, que, no contato da realização de sonhos muitas vezes fazem doações, alegram e destraem seu fã, retirando-o, momentaneamente, da dura realidade.
Gugu chama Lucas, de 5 anos e com paralisia cerebral, para realizar seu sonho. A tia que o leva diz que o garoto tem dois sonhos um é andar (ele está quase conseguindo) e o outro é conhecer Van Damme. O ator tira foto com o menino, luta com ele e o pega no colo. O ator ainda dá uma camisa para a tia do garoto e pede para ela deixar o tamanho da roupa que o menino usa para ele mandar uma camisa pelo correio. (Domingo Legal – 06/05/2001)
Vítima é alguém que sofreu alguma forma de agressão física ou psicológica e vai ao ar para narrar seu fato e pedir por justiça, como no programa Linha Direta, para que prendam o bandido, que te paguem aquela conta como no Programa do Ratinho, que achem sua filha seqüestrada. O próprio Datena ao iniciar seu programa fala apenas de crimes e injustiças sociais.
Estudante de Direito é morto num apartamento em São Paulo – Garota morre na fila do hospital – Pais acusam médico na morte do filho recém-nascido. Ele foi internado, recebeu alta e depois morreu em casa. (A matéria começa com o pai falando como aconteceu (usa camisa com listras – tom de voz alterado – ao fundo muitas pessoas) (Cidade Alerta – 07/05/2001)).
Programas como Cidade Alerta e Programa do Ratinho têm como objetivo, relatar casos de violência física com o objetivo de capturar e punir o culpado. As vítimas ou famílias de vítimas, expõem fatos que são reproduzidos por artistas. É mostrada uma foto do bandido e o objetivo da família é pedir por justiça. Uma das principais formas de identificação de pessoas comuns nesses quadros são através de fotos das vítimas ou dos culpados, além de filmagens e voz.
O repórter Ney Inácio conta a história de uma enfermeira que roubou um bebê de dentro de um hospital. A mãe do bebê, Francineide conta como a enfermeira entrou e levou a nenê do quarto da maternidade. Chorando muito ela diz: “Eu não me conformo, como uma pessoa entra no hospital e rouba meu filho. Como ninguém a viu saindo?”. O repórter, na casa de Francineide, mostra o berço do bebê cheio de orações e bíblia. Mostram as fotos da mãe grávida, dias antes do parto, todos alegres com faixas de boas vindas. Ratinho chama no palco os pais do bebê e diz: “Se alguém souber qualquer coisa sobre a quadrilha que entre em contato com o programa. Eu só peço para ninguém dar trote neste caso, que é sério. Nós já mobilizamos toda polícia do Brasil e peço para a quadrilha devolver a bebê porque eu tenho que devolver esta criança para os pais”. A mãe chorando conta a resposta que obteve do diretor do hospital sobre o caso: “... o diretor geral do hospital disse que não houve negligência”. Ironicamente Ratinho pergunta: “Como não houve?”. Eles vão embora com o apelo a quadrilha para que devolva o bebê. (Programa do Ratinho – 09/05/2001)
Nancy (11 meses) filha de Adriano (23) e Adriana (18) que morreu na fila do hospital esperando por atendimento médico, no dia 24 de maio. A mãe entra no palco com a avó da criança. Chora muito e faz um apelo para as autoridades. Ratinho fica indignado. Aos gritos diz que “na campanha os políticos falam muito. É mais bonito melhorar a saúde do que pintar a cidade, né dona Marta”. Ratinho muda um pouco de assunto falando de outras causas populares. Revoltado, grita, gesticula. (Programa do Ratinho – 07/05/2001)
Na tipologia das vítimas o que é explorado é o sofrimento das pessoas, que contam seus casos revivem a história de um assassinato em família, morte por falta de assistência, brigas de herança, estupros, roubos, enfim, revivem fatos dolorosos de suas vidas, frente ao grande público com o objetivo de pedir por justiça, e resolver seu problema, defendendo-se de ameaças, ver preso o bandido, conseguir seu dinheiro de volta.
Jogo/game é um tipo de quadro ou programa que realiza os mais variados tipos de disputa oferecendo em troca um prêmio para o vencedor, normalmente esse prêmio é uma certa quantia em dinheiro. Acontece quando a pessoa vai a um programa para jogar com o objetivo de ganhar algo em troca. Show de calouros, Show do Milhão - perguntas e respostas, a melhor piada, e diversos jogos oferecidos e bolados pelos programas para atrair participantes, jogadores. Uma das características desses programas é ter pessoas para avaliar os participantes, são eles os jurados.
O quadro "Quem sabe canta, quem não sabe dança" é um concurso de calouros com júri. O concurso começa com o casal Carlos e Eliana, que são dançarinos do programa, fazendo uma demonstração. Neste quadro, uma pessoa tem que cantar bem, caso contrário é eliminado. A primeira candidata foi Maria Lisboa. No momento em que a moça cantava, os jurados faziam sinais de negativo e o dançarino Carlos pegou a moça para dançar. Ela ganhou R$ 50 pela participação e saiu cabisbaixa. (Raul Gil – 12/05/2001)
O Programa do Raul Gil tem o objetivo de atrair os telespectadores com a qualidade dos seus calouros, já programas como o Programa do Ratinho, objetiva brincar, ser engraçado, fazer rir, sem se preocupar com a qualidade dos cantores. Não há seleção, e todos ganham a mesma quantia em dinheiro, esse quadro do Ratinho se mistura entre circo e games.
Ratinho e sombra fazem as chamadas e chamam os “Novos Cantores”, entra Daniel de São Paulo, que ganha R$ 100,00 sem conseguir cantar direito pelas vaias. A segunda é Helena da Bahia que canta ‘Pão de Mel’. Ela começa a cantar e a platéia vaia novamente. Xaropinho elogia “muito bom”. Ratinho fala com a platéia: “Vocês não entendem nada de música e ficam vaiando”, chama Vanessa, que trabalha no programa, para cantar com Helena, mas não tem jeito. Helena também ganha R$100,00. (Programa do Ratinho – 10/05/2001)
Com uma característica diferente, o programa Show do Milhão realiza perguntas e respostas que acumulam valores em dinheiro a cada resposta que o jogador acerta, tendo como prêmio máximo um milhão de reais. Além de apresentar as perguntas ele também especula a vida dos participantes, perguntando desde o que vai fazer com o dinheiro como é sua vida antes do Show do Milhão. As pessoas vibram quando são escolhidas para participar do programa. Para esse programa as pessoas vão, em sua maioria, bem vestida e penteada, parecem ser produzidas pela equipe do programa antes de ir ao ar. Uma das principais características da pessoa comum no Show do Milhão é a simplicidade. As pessoas demonstram dúvida, nervosismo, insegurança, medo e vergonha de errar. Elas confiam na opinião e sugestão dos convidados e do apresentador, misturam desespero com felicidade, rezam e espera sair dali a realização de um sonho. As principais realizações que são feitas através do valor ganho no programa, são para comprar a casa própria, saldar uma dívida, comprar carro, resolver problemas de saúde.
Sílvio Santos começa o programa apresentando os 12 convidados. Fala sobre o computador do Milhão, o primeiro computador popular e sorteia a primeira participante, Aninha de Apiaí (BA). Ela é vendedora de lingeri, Sílvio diz: “Você vende calcinha, cueca, soutien e quanto isto dá por mês?” Ela responde um salário e meio. Aninha levou sua cunhada Rosiclei, a sócia na compra da revista. Rosiclei trabalha em um escritório de contabilidade e ganha um salário mínimo (R$180,00). O sonho de Aninha é ganhar 15 mil reais para comprar uma casa. Ela conseguiu 20 mil. (Show do Milhão - 09/05/2001)
Programas como Domingo Legal e Domingão do Faustão também têm disputa, como grupos de dança, cacetadas, piadas e olimpíadas como a forma de aparição nos meios de comunicação pela pessoa comum e da exploração do ridículo pelos meios de comunicação, e aí mais uma vez o game se misturando com o circo, ao mesmo tempo em que há uma disputa, há também, situações esdrúxulas, que diminuem o papel representado pela pessoa comum.
No ‘concurso de funk’ se apresentam Bruno e Marcelo que vestem calça larga e camiseta, lenço e colar e óculos. Atrás, as ‘Popozudas’ dançam com eles. A segunda dupla é Carla e Priscila que vestem calça capri, sandálias de salto e top. Depois da escolha da dupla vencedora (votado pelos convidados) o grupo ‘É o Tchan’ canta, agora em versão funk. (Domingo legal – 13/05/2001)
Tribunal/Divã é encontrado em quadros que julgam ou aconselham as pessoas que foram lesadas por algum motivo. Tribunal: pedir exame de DNA, pensão alimentícia, acertar dívidas pendentes. Divã: falar de problemas amorosos, familiares e ouvir conselhos do apresentador. O objetivo do quadro é resolver problemas. As palavras chave são exposição do fato, reconciliação, DNA, traição.
“A Ana disse que de tanto a irmã sair para comprar pãozinho, a bisnaguinha entrou no forno e saiu um pudinzinho”. Ratinho ri e finge se irritar com a frase de Sombra. Sombra a refaz: Está escrito assim: A Ana trouxe a irmã da Bahia. Ela começou a namorar um padeiro e ele começou a administrar o forno dela”. Ratinho manda entrar Ana, que conta toda a história. A irmã, doente mental, apareceu grávida depois de 4 meses que morava com Ana. Ela conta que a irmã acusa Severino, dono do bar perto de sua casa, e seu cunhado, com quem teve uns chamegos. Severino compareceu ao programa com sua esposa, nenhum dos dois quiseram aparecer. Ficaram protegidos por uma tela trocando desaforos com Ana. Severino começou a justificar seu comportamento com a menina e Ratinho ironicamente perguntava-lhe: “Você não tem culpa? Nunca encostou um dedo nela? Você é inocente?”. Ana diz: Tentei falar numa boa, pessoalmente com ele. Mas eles não quiseram me atender. Aí vim no Programa do Ratinho que é super rápido”. Ana, Severino e sua mulher ficam xingando uns aos outros. Ratinho para terminar a discussão pede o exame do DNA. (Programa do Ratinho – 09/05/2001)
André conta seu caso. Sua mulher, começou a traí-lo com o padrinho de casamento deles. André disse que João, o padrinho, chegava em sua casa mandava ele andar de moto e ficava com sua esposa. João hoje tem 2 mulheres e 7 filhos. Cilene, mulher de André, conta que deixou seu marido porque ele foi para zona (puteiro) e passou sífilis para ela e foi João, o padrinho, que a amparou quando ela estava doente. André disse que João mandou lhe bater. Ratinho mandou um recado para João: “Se você encostar nele, você vai se ver comigo!”. Ratinho pergunta a Cilene se ela gosta de André. Ela responde que não quer voltar com ele não e “gosta um pouquinho do compadre” e fala que a culpa é de André deles terem terminado. “Ele não me deu carinho durante o tempo que fomos casados. 14 anos juntos”. Ratinho chama o advogado e pergunta a ele se “não quer me ajudar a fazer estes 2 voltar?”. O advogado sai para conversar com os dois. (Programa do Ratinho – 09/05/2001)
Ester conta que vendeu um terreno para seu irmão para ele construir um salão, mas o irmão não a pagou. Ratinho chama o irmão de Ester, João, que entra calmo, como se nada estivesse acontecendo com ele. Ao vê-lo agindo daquela forma, Ester começa a bater nele. Ratinho retira-se do palco, deixa-os brigando, depois chama o advogado para dar o parecer da justiça. Ele pede para que os irmãos acompanhem o advogado para resolver o caso. (Programa do Ratinho – 09/05/2001)
Nesse quadro do Tribunal, Ratinho resolve com a ajuda de um advogado, os casos de separação, dívida e paternidade oculta, através do exame de DNA.
Já no Divã, retratado no programa da Sílvia Popovic, é parecido a uma consulta a um psicólogo, quando as pessoas contam seus casos e se aconselham com as opiniões de Sílvia e mais do psicólogo convidado. Além de ouvir sugestões de outras pessoas comuns através de enquetes nas ruas, e casos parecidos de outros convidados
Além da tipologia acima definida existem outras formas de diferenciar o homem comum da celebridade de acordo com cada programa da TV, estando entre essas formas a aparência física, a forma como se vestem , a maneira como são apresentados, o jeito como se comportam, a forma como são tratados e identificados durante os programas. Muitas pessoas que aparecem nos programas têm pouquíssimas formas de se identificar, como as participações por telefone, em que é falado o primeiro nome da pessoa, mais a cidade onde mora. E participantes de enquetes nas ruas, que são identificados apenas através da aparência física, sem um nome ou qualquer outra forma de identificação.
E assim podemos perceber que esses dois personagens existem e não se misturam nem se confundem na grade da programação superpopular brasileira. Pois, embora estejam apenas representando papéis, estes são bem definidos e separáveis. Principalmente, se estão lado a lado num encontro de fã mais ídolos é que cada um representa sua função e reafirma seu lugar, o de ser idolatrado e o de idolatrar. Rafaela, uma fã de Fábio Azevedo, escreve para o Domingão do Faustão e diz que seu sonho é conhecer o ator e seu ídolo Fábio Azevedo. Faustão, ao entrar em contato com ela diz:
_Você está agora no Domingão do Faustão. Você é fã do Fábio Azevedo?
E Rafaela responde:
_Ai que vergonha. Eu sou fã dele sim, ele é lindo, lindo.
Quando Fábio Azevedo chega, Rafaela o abraça apertado.
Além da pessoa comum como convidado, existe também a pessoa comum que compõe a platéia do programa. A platéia é como se fosse um utensílio, pois apesar de coordenada por um animador, é ela quem grita, se desespera ao ver um artista, chora, ri, vaia e assim preenche o programa, as pessoas da platéia são tratadas como coisa, ao passo que não têm fala, nome ou qualquer outra forma de identificação. É a erosão do singular de que fala Certeau. Enfim, não são bem tratadas, quando um cantor (a) entra no palco e cumprimenta, a platéia gritava eufórica, desespera, ri e chora ao mesmo tempo, como uma forma de carinho ao receber alguém superior.É a reverência de que se cerca o olimpiano, como diz Morin.
Além da forma de tratar existem outras formas que separam gente comum e celebridade e devolvem fã e ídolo a seu lugar mesmo estando em um mesmo ambiente. Além de um ser idolatrado e o outro idolatrar, Gente Comum, todas as vezes que aparece nos programas, reafirmava o seu papel de não estrela.
Como se nota, nos programas, quem não é artista não recebe o melhor tratamento ou visibilidade do programa. Tem uma forma de identificar geral (estamos aqui com a caravana tal, com a cidade tal) ou quando individual é de maneira especulativa, tentando adentrar na privacidade dessas pessoas.
Contudo Gente Comum e Olimpiano são expressões utilizadas para situações momentâneas. Uma pessoa não é Gente Comum ou Olimpiano mas sim está ou é qualificado como tal em fatos ou situações que representam. Um artista se torna alguém famoso quando aparece no jornal, revista, rádio e televisão, e a condição para que ele permaneça famoso é que essa aparição continue freqüentemente, como aconteceu recentemente com a atriz Mel Lisboa, que há seis meses atrás, antes de fazer um teste para uma minissérie da Rede Globo, era totalmente comum, desconhecida, e depois da minissérie, apareceu e continua aparecendo em programas de TV, revistas, campanhas publicitárias e assim se tornou estrela. Sua aproximação aos “deuses do Olimpo”, se dá pela onipresença, ou seja, pelo fato de estar presentes com freqüência nos meios de comunicação, e essa aparição é dada em momentos, tanto que de tempos em tempos os artistas do auge são substituídos. Contudo, mesmo com um sucesso flutuante e dependente de muitas estratégias da mídia, os Olimpianos têm uma presença marcante, com um brilho próprio, que não é esquecido com facilidade, diferente do homem comum, que tem um tempo de aparição mais curto, e que não consegue fixar sua imagem para os telespectadores.
Como foi tratado no texto, percebe-se que essa é uma situação momentânea, qualquer pessoa pode estar Gente Comum, até mesmo os famosos quando se sentem felizes ao escutar a uma música do seu cantor preferido, quando ao assistir a um filme ou uma peça teatral fogem da realidade para o imaginário produzido e cheio de efeitos, ou mesmo quando sonham em conhecer ou ser igual àquele artista de cinema de Holywood.
Para dar exemplos mais plausíveis, basta perceber e analisar fatos recorrentes nos programas aqui citados e distinguir através de papéis que representam, os quadros que se encaixam, a aparência e o que estão fazendo no programa e a forma que são tratados e identificados no programa.
Sendo assim, analisar separadamente o homem comum do célebre nos meios de comunicação é um ato quase impossível. Esses diferentes e quase opostos modos de vida dependem um do outro para existir, necessitando dos meios de comunicação de massa para fazer essa ligação. São os meios que apresentam um (célebre) ao outro (homem comum), fazendo dessa apresentação um círculo vicioso. Os meios apresentam suas vedetes, criando celebridades que sustentam os meios lhes dando audiência, sustentada pela massa composta pelo homem comum que é recompensado por poder fazer parte de um mundo – o mundo mágico da TV – que sua vida não é capaz de proporcionar. O homem comum pode se realizar, aparecer nos meios de comunicação, conhecer seus ídolos, contar sua vida, acusar alguém, jogar, chorar, fazer chorar, sorrir e fazer sorrir. No entanto, esse é seu momento único, instantâneo, sua realidade é outra. E é essa transposição de atos (realidade/fantasia) que tem mudado a forma e a programação dos meios, tirando o homem comum do seu mundo ilusório fazendo-os ser vedetes por um dia em programas como Domingão do Faustão, Fantástico, Linha Direta, Sociedade anônima, Sílvia Popovic, Programa do Ratinho, Show Do Milhão, Domingo Legal, Superpositivo, Hebe, Topa Tudo por Dinheiro, Raul Gil e Domingo da Gente, colocando a pessoa comum lado a lado com seu ídolo, realizando seu sonho, fazendo-a aparecer, mostrando sua vida privada, antes desinteressante, ser agora de interesse público de forma trágica, engraçada ou mesmo cotidiana, até que a programação acabe , essas pessoas comuns sejam esquecidas e dêem seus quinze minutos de fama a outro “outro”.

CONCLUSÕES

A exibição de pessoas comuns como protagonistas, pessoas estas “reais” em situações “reais” e em programas “reais”, tomadas em seu ambiente privado ou expondo suas questões íntimas, compõem o quadro de referência a partir do qual se constrói a programação “superpopular”. Sobretudo, compõem uma “narrativa”, por meio da qual se viabiliza todo um processo de construção de identidade.
Como narrativas, não só apresentam os elementos que compõem esse gênero discursivo (a existência de um enredo, de personagens, de um narrador e um tempo/espaço próprio), mas servem de articulador de processos identitários. Compor uma narrativa é, antes de tudo, o movimento de criar um universo, definir um universo de referência, e organizar o mundo, o ambiente e as pessoas, dentro de um enredo – narrar é, pois, essa atividade organizante, essa experiência de organização da experiência dos sujeitos.
Conforme os autores que têm discutido o caráter discursivo dos processos de formação de identidade, entre os quais se encontra Hall, a narratividade consiste numa das operações efetuadas pelo discurso na construção de identidades, na medida em que ela invoca origens e pertencimentos, seleciona fatos que marcam a trajetória de sujeitos, estabelece lugares e posições sociais. Isso porque vem ganhando espaço, no âmbito das ciências sociais e particularmente no campo da Comunicação, uma concepção estratégica e posicional da identidade, em oposição às concepções tradicionais, essencialistas.
No caso dos programas superpopulares, existe toda uma narrativa que se quer ou se postula como real, como verdadeira, autêntica, e que envolve o sujeito concreto, comum, ordinário do cotidiano (semelhante ao telespectador) tomado em seu ambiente mais natural, intensamente vivido – o terreno do doméstico, do íntimo. A narrativa dos PSPs é uma narrativa do Brasil – de um dentre as várias possibilidades de retrato de um Brasil. Mas, narrativa hegemônica (porque consolidada, repetida, copiada, inspiradora de vários novos programas) num meio também hegemônico (a TV, meio de comunicação mais presente nos lares de todo o país), do que resulta a grande força simbólica e potencial de identificação da programação superpopular no cenário da cultura brasileira contemporânea. Nesse sentido, nosso trabalho converge para a linha contemporânea de estudos culturais que têm procurado compreender o conteúdo dos meios de comunicação de massa correlacionando-os aos anseios, desejos, tendências e conflitos de uma determinada população, num contexto histórico específico. Entender os PSPs é entender, em parte, como pensa e o que sente a população brasileira da década de 90.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. Construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985.
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
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GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade. São Paulo: Unesp, 1993.
GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1994.
GOMES, Wilson. Esfera pública política e media: com Habermas, contra Habermas. In: RUBIM, A. et al. (orgs). Produção e recepção dos sentidos midiáticos. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 155-169.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: Edusc, 2001.
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MATTELART, Armand e Michèle. História das teorias da comunicação. São Paulo: Loyola, 1999.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1977.
RODRIGUES, Adriano. Comunicação e cultura: a experiência cultural na era da informação. Lisboa: Presença, 1994.
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THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1998.
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.

Foi em 2002... mas como só tenho o blog agora... vale apresentar!


Repunte regional
Grupos del interior amenazan el liderazgo de las metrópolis
Jose Marques de Melo


Un hecho llamó la atención durante el reciente Congreso Brasileño de las Ciencias de la Comunicación, realizado en Salvador (Bahía), para conmemorar los 25 años de la fundación de la Intercom (Sociedad Brasileña de Estudios Interdisciplinarios de la Comunicación).
Me refiero al discurso vertido por el doctor Antônio Teixeira Barros (Brasilia) en la sesión de clausura de la onceava Iniciacom (Jornada de Iniciación Científica en Comunicación). Al anunciar al equipo vencedor del Trofeo Vera Giangrande 2002, resaltó su procedencia de una ciudad del interior.
De la autoría de los estudiantes André Luiz de Castro e Silva, Monique da Costa Gardingo y Morgana Garcia Carvalho, el trabajo premiado ("Dramas de lo cotidiano en la programación superpopular de la TV brasileña") fue orientado por el profesor Carlos Alberto Avila Araujo. Tanto los alumnos como el orientador están vinculados a las Facultades Integradas de Caratinga (MG).
Atrofia académica
El coordinador de la Iniciacom reconoció lo valioso de los incentivos a los proyectos de iniciación científica dados por instituciones marginales de enseñanza superior o universidades de nivel medio o pequeñas situadas en las zonas perifericas de la geografía nacional.
Amén de la monografía procedente de Caratinga (MG), los estudios clasificados tenían el sello de ciudades como Taubate, Bauru, Campinas, Sao Bernardo, Sao Caetano y Sao Carlos (en el estado de Sao Paulo), Chapecó e Itajaí (en el estado de Santa Catarina), además de capitales distantes del eje metropolitano, tales como Belém, Recife, Salvador, Curitíva o Porto Alegre.
La paradoja de este comentario residía, justamente, en lo que no fue dicho: la ausencia en la Iniciacom de trabajos realizados por las universidades tradicionales paulistas, cariocas o brasilienses. Mejor dotadas con las cuotas de becas de iniciación científica por el gobierno federal, además de ser sede de renombrados programas de postgrado, tales instituciones no tienen justificación posible para este tipo de omisión.
Esa distorsión sólo puede ser explicada por el gigantismo peculiar de las grandes universidades, públicas o privadas, donde la burocracia sofoca las iniciativas innovadoras. Otra causa tal vez radique en la democracia ejecutiva, proceso que atrofia a los órganos colegiados, obstaculizando la investigación o transformándola en actividad corporativa. Los liderazgos intelectuales son inhibidos o acorralados, prevaleciendo, algunas veces, el consenso mediocre de los grupos improductivos. Síntomas idénticos de esos guetos universitarios aparecen con nitidez en países como México, Venezuela o Argentina.
Sentimiento regionalista
En contrapartida, en las regiones emergentes o en aquellas ciudades no contaminadas por el inmovilismo de los grandes centros universitarios, es posible identificar proyectos renovadores o iniciativas promisorias.
Me sorprendió ­no hace mucho­ la osadía y pujanza de un grupo universitario de Tocantins, la más reciente entidad federativa de Brasil.
Elegido como padrino de la generación 2002 del curso de periodismo de la Unitins (Universidad de Tocantins), estuve en Palmas, construida hace 13 años para ser capital del novísimo estado brasileño. Los dos días de convivencia con mis ahijados intelectuales me causaron impresiones profundas y duraderas.
Ellos me explicaron que me habían escogido como padrino para romper una tradición local. Buscando esta vez no elegir a personalidades políticas locales ­usufructuando los beneficios surgidos de esa situación­, como ocurrió en años anteriores, los egresados del 2002 optaron por una acción colectiva independiente. Prefirieron homenajear a un investigador del periodismo, cuyos libros habían leído durante el curso y cuyas ideas habían sido encomiadas por sus profesores.
Confieso que desconocía completamente a los alumnos diplomados y a los profesores. Sin embargo, quedé impresionado con la familiaridad que demostraron en relación con los planteamientos teóricos y metodológicos de mi trabajo académico. Un conocimiento semejante tenían de otros comunicólogos relevantes, cual es el caso de Nilson Lage (Santa Catarina) o Muñiz Sodré (Río de Janeiro).
Se trata de una generación que se lanza a la conquista del mercado periodístico nacional-regional, nutrida de referencial brasileño. Ellos sienten orgullo de ese bagaje, en cierto sentido, regionalista. No es que hubiese desdén por los marcos teóricos importados directamente de París, Nueva York o Frankfurt, que suelen predominar en las universidades hegemónicas de nuestros centros metropolitanos. Su actitud era la de quien tiene los pies en la tierra, sustentándose, por lo tanto, en armas intelectuales capaces de enfrentar las adversidades de una coyuntura erizada de incertidumbres.
Pragmatismo utópico
Entablando contacto inmediato con el trabajo académico de la generación de Tocantins, percibí nítidamente el modo en que esos jóvenes profesionales se inspiran en los postulados del pragmatismo utópico diseminado por los pensadores de la Elacom (Escuela Latinoamericana de Comunicación). Dos ejemplos son suficientes para demostrar este aserto.
La revista Aldeas de la Isla, proyecto experimental orientado por los profesores Fabio d'Abadia de Sousa (periodista) y Odair Giraldin (antropólogo), muestra señales alentadoras de la cooperación interdisciplinaria en los laboratorios didácticos de comunicación. Se trata de un trabajo de investigación que aduna conocimientos periodísticos y antropológicos, mediante el cual un equipo de aprendices del reportaje exploró a profundidad la cultura indígena de las tribus que habitan la isla del Bananal. Para ello, realizaron cinco viajes a diez diferentes aldeas, contabilizando 25 días de convivencia con sus fuentes de información. Mi sorpresa ante la calidad y seriedad de ese trabajo de laboratorio proviene de la comparación hecha con otros trabajos que he examinado en universidades de renombre, donde los autores se limitan a reseñar fuentes bibliográficas, complementándolas con declaraciones obtenidas telefónicamante o testimonios consultados a través de Internet.
Por otro lado, el periódico Ensayos-Comunicación en revista, proyecto de fin de curso del dueto Aurielly Queiróz Painkjow y Lailton Alves da Costa, orientados por la profesora Jocyelma Santana Martins do Santos Oliveira, demuestra el modo como la valoración de la investigación científica produce efectos creadores en las nuevas generaciones. Aurielly y Lailton desafiaron a sus maestros tocantinesenses a sistematizar nuevos conocimientos mediáticos, diseminándolos profusamente. El canal propuesto fue una revista científica, que ellos planearon y ejecutaron en los laboratorios de la universidad, recurriendo incluso a arbitraje externo, lanzando la primera edición el día de su graduación. El impacto de esa iniciativa causó tanta repercusión que la vicerrectora de investigación de la Unitins, Ma. Luiza Nacimiento, y el director del campus de Palmas, Joseano Carvalho Dourado, asumieron un compromiso público y espontáneo, garantizando la continuidad de la publicación.
Señales de esperanza
La utopía impulsada por los audaces alumnos de la generación de Periodismo 2002 de la Unitins, se convierte, pragmáticamente, en la fuente de difusión de las ideas y productos comunicacionales generados por la universidad para beneficiar a la comunidad a la que pertenece.
Esta iniciativa es similar a la de otras universidades del interior, que rebasaron lo trillado de las actividades discursivas en las aulas y osaron recopilar conocimientos útiles, difundiéndolos entre la sociedad. Ejemplo de esa postura innovadora son las revistas académicas recientemente lanzadas durante el Congreso de la Intercom: Grifos es un producto del Grupo Comunicacional de Chapecó (ciudad ubicada en la región sur de Santa Catarina); Conexión aparece como el vocero del Grupo Comunicacional de Caxias del Sur (ciudad ubicada en el circuito serrano del estado de Río Grande do Sul); y la revista Idea, que surge como fruto del singular idealismo del Grupo Multidisciplinario de la Facultad Sao Francisco de Barreiras (comunidad enclavada en el oeste bahiano).
Jose Marques de Melo es titular de la Cátedra Unesco de Comunicación de la Universidad Metodista de Sao Paulo, Brasil, y presidente de la Asociación Iberoamericana de Comunicación (Ibercom). Traducción: Luis Ramón Bustos


Encontro de artes no "Tratos Culturais"




Senhores e Senhoras - senhoritas... bom dia!!!

Hoje, sexta-feira (18/07), haverá, a partir das 20h, no Salão de Exposições (Espaço Tratos Culturais) um encontro de artes pláticas, com teatro e números de mágica. Uma continuação da programação do 1° Salão de Inverno que além de apresentar a mostra coletiva de artes plásticas de autores e colecionadores regionais, busca unir as pessoas nesse encontro cultural.No lançamento, no dia 10/07, o mesmo ocorreu com a apresentação da performance "Quem somos nós?" com Fernanda Godinho, Emerson Moraes, Tarcísio Vória, Olívia Gama, Juliano Braz, Thiago Viana e Adriano Cunha.HOJE, DIA 18, haverá a adaptação da obra de Machado de Assis pelo Grupo GPTo Teatro de Bonecos: "Um apólogo - a agulha e a linha" (a peça foi preparada para a semana do Machado de Assis e quem assistiu adorou. Ficou muito jóia!!!). Depois da peça, serão apresentados números de mágica por Manoel Messias.E como proposta, quem vem nessa noite, pode apreciar as belezas das artes plástica REGIONAL.

Dia 25/07 tem mais... mas na semana que vem falo com vocês direitinho como vai ser... e já adianto que terá chorinho, dança e teatro!!!

abraço, até à noite e excelente fim de semana.

Att. Monique Gardingo

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Texto - Palestra do Sr. Luiz Antônio de Souza


MACHADO DE ASSIS:
A TRAJETÓRIA DE UM GRANDE LEITOR

Por Luiz Antônio de Souza
Coordenador da Biblioteca Acadêmica Lúcio de Mendonça

Antes de tudo, agradeço o convite e a oportunidade de estar aqui, para falar de um grande brasileiro. É para mim uma grande alegria!
Não vim fazer conferência, mas sim conversar, trocar um dedo de prosa sobre esse que é reconhecidamente um dos maiores escritores da língua portuguesa e o maior da literatura brasileira: estamos falando de Joaquim Maria Machado de Assis.
Outros antes de mim já disseram: Machado de Assis é prova cabal de que o Brasil é possível! Eu acrescento, apesar de cada um de nós...
Não sou especialista em Machado. Sou antes de tudo um leitor, um ad-mirador, um bibliotecário que, no trato diário com os livros, aprendeu a reverenciar a memória desse grande brasileiro.
Como afirma Alexei Bueno, ele é:
“O clássico máximo da literatura brasileira, cuja centralidade ninguém poderá negar. Polígrafo consumado, foi dos maiores romancistas do país, grande poeta, contista quase insuperável, crítico sagaz, admirável cronista, para não falar de suas incursões teatrais.”

E acrescenta:

“Sua arte finíssima ele a criou por um esforço voluntário de aprimoramento de um gênio inato, num ambiente dos menos propícios. Sua presença na alma brasileira é ubíqua e indelével. Dele tudo se disse, do ataque ao panegírico, e continua a dizer-se. Se, como afirmou a requintada inteligência de Paul Valéry, o grande homem é aquele que após a sua morte deixa todos confusos em relação a ele, Machado de Assis cumpriu e cumpre brilhantemente essa tarefa, característica dos espíritos inesgotáveis, das almas inapreensíveis, por sua multiplicidade, em alguma descrição sucinta, dos seres poliédricos que espalham luzes e sombras por todos os lados. É assim, plenamente vivo e ainda contraditório, que ele chega a estes cem anos que nos separam de sua morte.”

Procuraremos ser fiéis a Olavo Bilac, que na solenidade em memória de Machado de Assis disse:
“Poucas palavras, poucas e carinhosas, devem ser ditas aqui, para que em tudo a comemoração seja digna do comemorado. Seria uma ofensa à memória do Mestre qualquer manifestação que destoasse da sobriedade encantadora e do recato severo que governaram a sua vida artística e a sua vida íntima, a sua teoria literária e o seu estilo. O culto deve ser sempre adequado ao nume: bulhento e borbulhante, para os que tiveram ou têm o amor da adoração pomposa, – e simples e pensado, e mais tecido de ternura e de respeito do que de entusiasmo, para aqueles cuja sublimidade reside mais na solidez do que no brilho, mais na verdade do que na aparência, mais na harmonia temperada e justa do que no exaltamento nem sempre fecundo.”

Dito isto, perguntamos: Mas quem foi Machado de Assis?
Há 169 anos nascia na cidade do Rio de Janeiro Joaquim Maria Machado de Assis, mais precisamente no Morro do Livramento, em 21 de junho de 1839. Seu pai, mulato alforriado, chamava-se Francisco José de Assis, carioca, neto de escravos, pintor de profissão, tinha alguma instrução: sabia ler e escrever – o que não era comum para pessoas como ele. Sua mãe, Maria Machado de Assis, era portuguesa, originária da Ilha de São Miguel, nos Açores.
Mulato, gago, epilético e pobre, Machado de Assis será objeto da ternura de sua madrinha e protetora D.ª Maria José Barroso Pereira, viúva do senador Bento Barroso Pereira, na Ladeira Nova do Livramento (segundo Jean-Michel Massa), onde sua família morava como agregada. Sua infância se passa entre o casarão da chácara da madrinha e a casa humilde dos pais, vidas diferentes, que desde cedo o menino Machado compreende. Deste contraste nasce, em seu temperamento, o gosto pelas coisas boas, que estão presentes em seus livros, e o desprezo à pobreza, de que tentará afastar-se, a ponto de procurar esconder suas origens, vida afora.
Ainda menino, Machado sofre perdas que iriam marcá-lo sensivelmente. Aos seis anos, em 1845, sua única irmã, Maria, de quatro anos, morre vítima de sarampo; e, entre os nove e dez anos, em 1849, morre-lhe a mãe, de tuberculose. O pai casa-se com Maria Inês, indo a família morar em São Cristóvão. A madrasta dará continuidade à educação iniciada pela mãe. Se sua vida era difícil, tornou-se ainda mais com o falecimento de seu pai, em 1851.
Pouco se conhece de sua infância. Mesmo os amigos mais íntimos e queridos dela nada sabiam, pois não gostava de tocar no assunto. Mário de Alencar, que assim como Machado fez parte da Academia Brasileira de Letras, conta que ele “escondia em segredo os anos da infância e da adolescência”.
Após a morte do pai, a madrasta se empregou num colégio do bairro como doceira, e Machadinho, como era chamado, tornou-se vendedor de doces. É possível que no colégio tivesse contato com professores e alunos e assistido a aulas, quando não estava trabalhando. Entretanto, ele não era diferente dos garotos de sua época e de sua classe social. Alguns biógrafos acreditam que no “Conto de escola” Machado se utiliza da ficção para falar um pouco de si.
Para Josué Montello,
“O Conto de escola, extraído das Várias histórias, é tão perfeito nas suas minúcias urbanas e tão bem composto no seu tom evocativo, entre os grandes textos machadianos, que dificilmente deixaria de ser uma página de memória, viva, flagrante, humana, com a figura do mestre, o ambiente da escola, a evocação da sala de aula e a experiência do menino, tudo a deixar sentir o flagrante da vida autêntica, que a evocação do adulto teria ido buscar no íntimo de suas recordações.”
Seria o menino Machado a rememorar a infância na escola, naquele conto, quando diz:
“(...) Para cúmulo de desespero vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma cousa soberba. E eu na escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos.”
Ou, ainda, na passagem de Memórias póstumas de Brás Cubas:
“(...) Nunca em minha infância, nunca em toda a minha vida, achei um menino mais gracioso, inventivo e travesso. Era a flor, e não já da escola, senão de toda a cidade. A mãe, viúva, com alguma cousa de seu, adorava o filho e trazia-o amimado, asseado, enfeitado, com um vistoso pajem atrás, um pajem que nos deixava gazear a escola, ir caçar ninhos de pássaros, ou perseguir lagartixas nos morros do Livramento e da Conceição, ou simplesmente arruar, à toa, como dous peraltas sem emprego.(...)”
Alguns críticos e estudiosos da obra machadiana crêem ser pouco provável que se trate de memórias. Contudo, segundo nos diz Aleksandar Jovanovié:
“As ligações entre a vida de um autor e sua obra não são necessariamente de causa e efeito. Muitas vezes, nem sequer é possível estabelecer maiores vinculações entre essas duas coisas, porque a vida do artista pode não influir na qualidade de seu trabalho ou, ao contrário, os deslizes eventuais de sua personalidade podem não interferir na essência de sua obra. Outras vezes – por paradoxal que pareça – a conduta ética pessoal de um artista pode ser premissa básica para a produção de determinada espécie de obra. Não obstante tais considerações, convém lembrar que sempre pode ser interessante destacar vários pontos da vida pessoal de um autor, a fim de ilustrar-lhe a personalidade e jogar um foco de luz sobre a época em que viveu e trabalhou”.
Mas, como foi possível a existência de autor tão marcante, tão importante para a história da literatura brasileira, se, como apontam os relatos dos primeiros momentos de sua vida de que temos conhecimento, todos indicavam um caminho não diferente de muitos que compartilham conosco, hoje, o fracasso, a miséria, e o anonimato, como aconteceu com muitos de que desconhecemos as histórias, por não contar com os relatos de suas memórias. Machado só se tornou possível porque, acima de tudo, foi um grande leitor. Sim, os estudos hoje ratificam o que digo: um grande escritor, um grande autor, o construtor de obra literária na expressão da palavra é, necessariamente, antes de tudo um leitor por excelência, e Machado não foge a essa regra.
Todavia, é importante mencionar o fato de que no período de formação de Machado de Assis – se considerarmos somente o ensino fundamental, tal como o entendemos na atualidade –, possivelmente como para tantas outras crianças nas mesmas condições, a escola mencionada nos seus textos não passe de mera ficção, ou mesmo relatos de fatos e acontecimentos vividos por outras crianças de seu tempo.
Pensemos um pouco sobre esse tempo. Primeiro, é preciso que tenhamos em conta que não existiam escolas públicas. Os relatos históricos dizem que todos os esforços para a construção da escola gratuita foram em vão: inexistiam verbas para isto, pois tudo o que se destinava à educação estava sendo aplicado na educação da elite.
Segundo, não podemos esquecer que a escravidão era ainda uma realidade. Machado de Assis, como vimos, era mulato, filho de um escravo alforriado e pobre; logo...
Ora, se o ensino era direcionado para ricos e nobres, aqueles que compunham a elite, podemos concluir que Machado de Assis, diferentemente de cada um de nós, não teve acesso à escola pública e gratuita, ainda que a constituição vigente estabelecesse isto como um direito de todos os brasileiros. Machado de Assis, provavelmente, deve ter aprendido as primeiras letras com o pai que, como dissemos, sabia ler e escrever; foi ainda ajudado por sua madrasta, mais tarde. Lá pelos 14, 15 anos, ignora-se em que circunstância, privou da intimidade do Padre Antonio José da Silva Sarmento, professor conhecido à época, que foi seu preceptor e contribuiu para a formação do seu espírito. Este professor terá o seu valor reconhecido; Machado de Assis “lhe dedica dois poemas, confessando que, durante um ano, o sacerdote lhe fora “um modesto preceptor e um agradável companheiro”.
Ainda por este tempo, Machado de Assis vai ter a oportunidade de estudar francês ao conhecer madame Gallot, proprietária de uma padaria, cujo forneiro o inicia nos rudimentos do francês. Machado acabou por falar fluentemente, tendo mais tarde traduzido o romance Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo.
Iniciou sua carreira trabalhando como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Oficial, dirigida pelo romancista Manuel Antônio de Almeida. Em 1855, aos quinze anos, estreou na literatura, com a publicação do poema "Ela" na revista Marmota Fluminense.
Estes são pontos de partida que possibilitarão ao jovem Machado de Assis iniciar-se no mundo do sonho e da aventura – a leitura.
Os sonhos, como os de todo o jovem, eram muitos, mas a pobreza, como sempre, é exigente. E Machado de Assis não fugiu à regra: conciliar trabalho e estudo. É nas bibliotecas públicas da Corte, sobretudo no Gabinete Português de Leitura, que emprestava livro aos sócios, que ele vai exercitar, em toda a sua expressão, o prazer da leitura.
Sobre a questão, Lygia Fagundes Teles relata-nos:
Machado de Assis lia muito e vagos reflexos dessas leituras vamos encontrar nos seus escritos, notadamente de autores estrangeiros: Schopenhauer, Goethe, Stendhal e Shakespeare, desconfiam que Shakespeare era o preferido. É longa a relação dos autores desse leitor tão cheio de curiosidade, ateu confesso mas freqüentador também da Bíblia, gostava do Eclesiastes com todos aqueles grãos de acasos e imprevistos, denunciador feroz das vaidades.
Afrânio Coutinho, grande crítico e estudioso da obra machadiana, ao abordar as influências por ele sofridas no estudo – Machado de Assis na literatura brasileira –, diz:
“Segundo o que se deduz das referências e confissões próprias, das informações de amigos e críticos, podem-se classificar os escritores que mais o sugestionaram do seguinte modo:
a) influências de concepção e técnica literária e de estilo: clássicos portugueses, Camões, Frei Luís de Sousa, Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro, João de Barros, Bernardes; Garrett; Filinto Elísio, Camilo; clás­sicos gregos e latinos; a Bíblia; Shakespeare, Cervantes, Rabelais e Montaigne; Merimée, Stendhal, Gautier, Flaubert, Balzac; La Rochefoucauld, Diderot, Daudet, Maupassant, Poe, Xavier de Maistre, Victor Hugo, Lamb, Fielding, Voltaire, Feuillet;
b) influências de humor: Cervantes e os ingleses, Swift, Sterne, Dickens, Thackeray;
c) influências de filosofia ou concepção do mundo e do homem: Pascal e Montaigne, Schopenhauer, o Eclesiastes, Leopardi;
d) livros prediletos: a Bíblia, o Prometeu, o Hamlet, o D. Quixote.”
No conjunto dessas influências, os assuntos abrangidos, pelas diferentes obras lidas por Machado de Assis, reunidas em sua biblioteca, estão assim distribuídos: literaturas 50%, aproximadamente; filosofia, história, e crítica literária 15%; história e geografia 25%; e os 10% restantes estão distribuídos entre história natural, medicina, ciências sociais, memórias, correspondências etc. Além do português, Machado leu em francês, inglês, alemão, italiano, espanhol, e, para melhor apreender os clássicos, ensaiou os primeiros passos em grego.
Machado de Assis foi antes e acima de tudo um grande leitor, como atestam as citações e alusões nas suas obras, e a sua monumental biblioteca, constituída de 400 volumes encadernados, 600 volumes em brochuras, e 400 folhetos de diversos autores, conforme a lista de bens encontrados em sua casa. Foram sobretudo estas leituras que possibilitaram a realização das grandes obras, que herdamos, nos dão prazer e continuam a despertar paixões em tantos quantos as lêem.
Em 1873, ingressa no Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, como primeiro-oficial. Posteriormente, ascenderia na carreira de servidor público, aposentando-se no cargo de diretor do Ministério da Viação e Obras Públicas. Machado foi exemplo – o que podemos denominar um paradigma –, pois tanto o escritor como o trabalhador/funcionário público conviveram no mesmo ser com o sentido do dever, da responsabilidade, da honestidade e da consciência do seu papel social, que é o que devemos ter em conta no nosso dia-a-dia.
Em 1869, casa-se com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais, irmã do poeta Faustino Xavier de Novais e quatro anos mais velha que ele. Se a infância o marca pelas dificuldades, que o tempo e as transformações por que passou conseguiram amainar, a velhice será marcada pela perda daquela que o acompanhou nos últimos 35 anos – a morte de Carolina –, em 20 de outubro de 1904, a quem dedica o soneto:
À Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.
Trago-te flores – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados.
Que eu, se tenho nos olhos mal feridos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
É importante ressaltar que Machado foi venerado pelos jovens e cortejado pelos velhos como nenhum outro escritor brasileiro em vida.
O autor foi, também, exímio jogador de xadrez, tendo formulado problemas enxadrísticos para diversos periódicos e mesmo participado do primeiro campeonato disputado no Brasil. Em muitas de suas obras, faz menções ao jogo, como por exemplo, em Iaiá Garcia.
Velho e cansado, depois de escrever mais de 200 contos, 600 crônicas, nove romances, nove peças teatrais, quatro livros de poesia, páginas de crítica, fazer traduções e participar ativamente das transformações ocorridas na vida cultural, política e social brasileira, Machado ainda reúne forças para escrever e ver publicado, em julho de 1908, o seu último romance: Memorial de Aires – um testemunho a favor da vida, banhado de uma indulgência crepuscular, que dilui a ironia amarga dos últimos livros. Através da ficção, ele comunicava o que, então, de viva voz dizia a um amigo: “A vida é boa”.
Na casa do Cosme Velho, que manteve intacta após a morte de Carolina, no dia 29 de setembro de 1908, dois meses depois da publicação do Memorial de Aires, às 3h45min da madrugada, morria Joaquim Maria Machado de Assis.
Em suma, o que procuramos nestas poucas linhas, como revela o título, foi fazer a síntese de uma grande trajetória do leitor e maior escritor da literatura brasileira, Machado de Assis, baseando-nos em seus críticos e biógrafos – a trajetória, segundo Afrânio Coutinho, do “primeiro prosador da língua portuguesa e mais completo homem de letras do Brasil”.
Herdeiro de Cervantes segundo Carlos Fuentes em Machado de la Mancha, ele é a resposta às indagações formuladas por Milan Kundera, em A arte do romance, no capítulo “A herança depreciada de Cervantes”: “E o chamado para o jogo, o sonho, o pensamento, o tempo, para onde se foram?” A resposta é, senão milagrosa, surpreendente: “foram para o Rio de Janeiro e renasceram sob a caneta de um mulato carioca, pobre, filho de um [pintor e dourador ], auto-didata, que aprendeu francês em uma padaria, que sofria de epilepsia, como Dostoievsky, era míope, como Tolstoi, e que ocultava a sua genialidade dentro de um corpo tão frágil”.
Longe de ser gênio, Machado de Assis, o homem e o escritor, ambos são fruto do trabalho, da perseverança, da honestidade, da luta, do estudo, da leitura; e, sobretudo, da consciência de que é possível transformar o mundo à nossa volta. É o próprio Machado que nos aponta: “(...) o melhor dos mestres, o estudo; e a melhor das disciplinas, o trabalho. Estudo, trabalho e talento são a tríplice arma com que se conquista o triunfo”.
Mas nada será transformado se não transformarmos primeiramente a nós mesmos. Machado de Assis é a prova idônea de que isto é possível. Ele tinha tudo para dar errado: nasceu num Brasil escravocrata, filho de escravo alforriado, ficou órfão cedo, teria direito, porém o acesso à escola lhe é negado, por ser mulato, num país que só conhecia duas cores – o branco e o negro; ou seja, tudo concorria para que ele nada fosse.
Entretanto, foi, é, e continuará sendo o maior escritor da literatura brasileira. Assim como Virgílio está para a literatura latina, Shakespeare para a literatura inglesa, Victor Hugo para a literatura francesa, Cervantes para a literatura espanhola, Dante para a literatura italiana, Camões para a literatura portuguesa, Machado de Assis está para a literatura brasileira.
Por fim, dizem que cada um de nós, para ter na vida a plena consciência do dever cumprido, precisará: plantar uma árvore, escrever um livro e legar um filho às gerações futuras. Machado provavelmente plantou uma árvore na chácara de sua madrinha, e, se não o fez, plantou-a imaginariamente no Dom Casmurro (cap. XII e XXXII). Livro ele nos legou, e muitos. Filho, ele justifica a ausência, no final do seu Memórias póstumas de Brás Cubas: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”
Entretanto, indagamos: e o que são as personagens de contos, crônicas, romances e poesias de Machado, senão seus filhos?
CARPE DIEM!!!
Era o que eu tinha a dizer-lhes hoje.
Cataguases, 4 de julho de 2008


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ándritch, Ivo. Café Titanic. Seleção, notas, prefácio e tradução do sérvio: Aleksandar Jovanovié. Rio de Janeiro: Globo, 2008. p.21
ASSIS, Machado. Obra completa. Rio de Janeiro: J. Aguilar, 1959. 3 v.
----------.. Memórias póstumas de Machado de Assis. Coligidas e ordenada por Josué Montello. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 766 p.
----------. Crônicas escolhidas. São Paulo: Ática; Folha de S. Paulo, 1944. 182 p.
BUENO, Alexei. [Texto] da exposição Machado vive: comemorativa do centenário da morte de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras. 2008. 31 f.
Cardoso, José Antonio dos Santos. Guia das cidades do Rio de Janeiro e Nictheroy para 1883. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1882. p. 203.
CASTRO, Francisco de. Harmonias errantes. Carta prefácio. Rio de Janeiro: Tip. Moreira, 1878. p. 925 – Obras completas, v. 3.
8. Cavalcanti, J. Cruvello. Nova numeração dos prédios da cidade do Rio de Janeiro. Coleção memória do Rio 6-I. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: s/data. p. 462.
COUTINHO, Afrânio. Machado de Assis na literatura brasileira. Rio de Janeiro (RJ): Academia Brasileira de Letras, 1990. 347 p., 19 cm. (Afrânio Peixoto; v. 15). Bibliografia: p. 333-347.
FUENTES, Carlos. Machado de la Mancha. México: Fondo de Cultura Econômica, 2001. (conferência pronunciada em 30 de julho de 1997, ano do centenário da Academia Brasileira de Letras)
KUNDERA, Milan. A arte do romance: (ensaio). Trad. Teresa Bulhões C. da Fonseca e Vera Mourão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
MELO, Gladstone Chaves de. Radiografia de Machado de Assis. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.32, n. 379, p. 3-15, out. 1986.
SECCHIN, Antonio Carlos, ALMEIDA, José Mauricio Gomes de, SOUZA, Ronaldes de Melo e. (Org.) Machado de Assis: uma revisão. Rio de Janeiro: In-Fólio, 1998. 240 p.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

1° Salão de Inverno


Você é convidado a participar do

1° Salão de inverno -

Espaço Tratos Culturais (Instituto Francisca de Souza Peixoto)

Mostra coletiva de artistas e colecionadores regionais

Noites Culturais:20h


10/07 (lançamento)

Performance: "Quem Somos nós" com Fernanda Godinho, Emerson Morais, OLívia Gama, Tarcísio Vória e Juliano Braz


18/07

Documentário e número de mágica com Manoel Messias

apresentação teatral do Apólogo "A agulha e a Linha" de Machado de Assis e adaptado pelo Grupo GPTo de Teatro de Bonecos

apresentação de "O Alienista" com Fernanda Godinho e Jacqueline Gouvêa, sob a direção de Carlos Sérgio Bittencourt

25/07

apresentação musical: Chorinho com Edinho, Cassiana, Leandro Alves, e Ricardo

apresentação de dança com Taiman e Juliana


abraço, Monique

Deu tudo certo no "Machado"

Machado de Assis!

Pessoal, quero agradecer a todos que se envolveram e contribuíram para que o evento fosse tão positivo. O agradecimento segue em nome do Instituto, e do Marcelo Peixoto que deu idéia do evento, quando PROLER nos procurou para fazer uma semana literária, Marcelo lembrou da sugestão do Rouanet e da Bárbara Freitag em trabalharmos Machado.
Fomos a Academia Brasileira de Letras e aí começamos...
Enfim, o evento se realizou muito bem...

Nas oficinas e palestras realizadas no Instituto Francisca de Souza Peixoto, tivemos público variando de 70 a 120 pessoas, o que parece pouco para o Teatro Rosário Fusco (que comporta 350 pessoas), mas é um número representativo, ao se tratar do primeiro evento de literatura, e também, por ser encerramento de semestre letivo nas escolas e faculdades.

Nas tardes de cinema na Casa Simão nosso público variou de 20 a 30 pessoas, o que foi ideal para o espaço.

As palestras foram de qualidade. Os debates interessantes e participativos. O Teatro com GPTO, “Um apólogo” foi muito bacana mesmo, e “O Alienista” com Fernanda Godinho e Jacqueline Gouvêa, com a direção do Carlos Sérgio, também foi fantástico.

O Telechica trabalhou Machado com seus alunos e fez no dia 1° (antecipando o evento) uma atividade no Teatro. O Proler e a Biblioteca Digital realizaram atividades para crianças: Revista Eletrônica sobre Machado de Assis e contaram a história de “Um apólogo – A agulha e a Linha”.

O encerramento com Sr. Luiz Antônio seguido do Sarau na Concha Acústica foram jóias, muito bom mesmo.
Sentimos-nos felizes com o sucesso do primeiro evento da série “Diálogos literários” e, a partir de agosto, iniciaremos o trabalho para, em outubro, realizarmos a semana: Guimarães Rosa (centenário do autor).

Agradecimentos especiais aos palestrantes do Centenário Machado de Assis:
Luciano Andrade
Geraldo Filho
Marcelo Lopes
Ronaldo Werneck
Marcos Vinícius
Denise Mathias
Luiz Antônio

Obrigada às entidades envolvidas na realização (Fundação Ormeu Junqueira Botelho, Casa Simão José Silva, ACRIAR, Secretaria de Educação com o Proler e Instituto Francisca de Souza Peixoto).

Obrigada ao Manoel Messias, Chiquinho, Pequeno e a turma do Sarau.

Obrigada a todos os que a seu modo ajudaram na organização e realização do evento.
Obrigada ao Tarcísio – pai e Tarcísio-Filho (excelentes mestres de cerimônia: pontuais e precisos)
Ao Jú (Quibe) e aos meninos da informática com som, luz e tecnologia.
Pela cobertura da Assessoria (Márcia e Jú) e bela arte para convite e cartaz do Francisco.
Thiago (Digital) pelas artes dos banners (exposição) pela correria e chatice minha, rs.
A turma da infra-estrutura (Dalmir, Eduardo, Sr. Francisco com as meninas da limpeza)...

A Eliene e a Cris, a Sandra da Biblioteca que atuaram todos os dias contribuindo e acompanhando para que tudo desse certo...

E claro que tiveram outros ainda...
mas é assim! Trabalho em equipe.
Feito, organizado e realizado por equipe interessada e com boa vontade que faz com que os resultados sejam positivos como foi.

Abraço a todos e até breve para o Guimarães!
Abraço,
Monique Gardingo
Instituto Francisca de Souza Peixoto

quinta-feira, 5 de junho de 2008

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Homenagem a Machado de Assis


O Instituto Francisca de Souza Peixoto e o Proler convidam para a homenagem ao Centenário de Machado de Assis (1908 - 2008 cem anos sem Machado)
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02//07 Quarta-feira
09h - O teatro de Machado de Assis (Institutto Francisca de Souza Peixoto)
Luciano de Andrade
Mestrando em Literatura na UFES

15h - Um olhar Cinematográfico (Casa Simão)
Documentário: Um Mestre na Periferia
Comentário: Geraldo Filho

19:00 - História e Literatura (Institutto Francisca de Souza Peixoto)
Mesa:
Marcelo Lopes
Jornalista, historiador, editor do jornal Cataguases
Ronaldo Werneck
Poeta, jornalista e crítico

20:00 Memórias Póstumas: o "entre-lugar" do romance brasileiro no discurso ocidental (Institutto Francisca de Souza Peixoto)
Marcos Vinícius Ferreira de Oliveira
Prof. de Literatura Brasileira - FEAP, Doutorando em Estudos literários UFJF

Intervenção Cultural: Um apólogo: "A agulha e a linha" com Grupo GPTo de Teatro de bonecos

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03/07 - quinta-feira

09h Há mais coisas entre Machado e Shakespeare do que sonha o "caro leitor"
(Institutto Francisca de Souza Peixoto)
Geraldo Filho
Prof. de Literatura do Colégio Equipe Cataguases - Leopoldina

15h - Um olhar Cinematográfico (Casa Simão)
Documentário: Memórias Póstumas
Comentário: Geraldo Filho

19h Intervenção Cultural
(Institutto Francisca de Souza Peixoto)
O Alienista, com Fernanda Godinho e Jacqueline Govêa
Direção: Carlos Sérgio Bittencourt

19:30h Machado para a Juventude (Institutto Francisca de Souza Peixoto)
Mesa:
Denise de Fátima Mathias
Prof. de Literatura CEFET - MG e Contadora de História
Geraldo Filho
Prof. de Literatura do Colégio Equipe Cataguases - Leopoldina
Luciano de Andrade
Mestrando em Literatura na UFES

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04/07 - sexta -feira

09h - O Conto Machadiano (Institutto Francisca de Souza Peixoto)
Denise de Fátima Mathias
Prof. de Literatura CEFET - MG e Contadora de História

15h - Um olhar Cinematográfico (Casa Simão)
Documentário: A Cartomante
Comentário: Geraldo Filho

19:30h Machado de Assis: Machado de Assis: síntese da trajetória de um grande leitor.(Institutto Francisca de Souza Peixoto)
Luiz Antônio de Souza
Coordenador da Biblioteca Acadêmica Lúcio de Mendonça
Academia Brasileira de Letras

Intervenção Cultural: Revista Eletrônica- Biblioteca Digital
Sarau com o Grupo AERO e convidados (Concha Acústica) Pça Manoel Inácio Peixoto

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* de 30/06 a 04/07 todas as manhãs a Biblioteca Digital e o Proler apresentarão Um apólogo: "A agulha e a linha" e a Revista Eletrônica: Machado de Assis, vida e obra.
O Telechica apresentará durante esses dias a entrevista com Rubem Alves por meio de Peça teatral e manterá em exposição os recontos elaborados pelos alunos.

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Para o evento serão feitas inscrições gratuitas antecipadas no Instituto Francisca de souza Peixoto

O evento conta com o apoio do Colégio Equipe, Fundação Ormeu Junqueira Botelho e Fundação Simão José Silva

terça-feira, 3 de junho de 2008

Que língua você fala?

Por Heloiza de Castro da Costa


Durante anos, estudiosos da língua portuguesa tentam chegar a um consenso entre as línguas falada e escrita. A falada coloquial e a escrita padrão.
No livro A língua de Eulália, Marcos Bagno – mineiro de Cataguases, tradutor, contista, poeta, autor de livros infantis, mestre em Lingüística e doutor em Filologia – leva o leitor a refletir sobre o funcionamento da língua portuguesa e as diferenças existentes entre a Norma Padrão e a Norma Não Padrão do português, conduzindo-o, no decorrer do livro, a observar os “erros” mais freqüentes entre os falantes, e os porquês dos tais.
A língua de Eulália é uma novela sociolingüística que trata da língua usual, funcional, dinâmica, mas, nem sempre, “correta” em relação à gramática normativa.
Todo enredo se passa na cidade de Atibaia, interior de São Paulo, onde três estudantes universitárias, uma de Letras, uma de Pedagogia e outra de Psicologia, chegam para passar as férias na casa da tia de uma delas. A princípio, as moças comentam jocosamente o modo de falar de Eulália, a antiga empregada e amiga da dona da casa Irene, professora aposentada e profunda conhecedora da língua portuguesa, que as repreende. A professora fala uma frase em italiano e depois uma em português arcaico para mostrar-lhes que o que Eulália fala é apenas um português diferente. Com isso, o autor introduz o assunto do livro. A partir daí, a professora e as amigas iniciam uma rotina prazerosa de aulas sobre a língua portuguesa falada no Brasil.
Por se tratar de uma novela, Bagno consegue, em 209 páginas divididas em 22 capítulos, e em linguagem simples e atrativa, discutir pontos que até então eram tidos como alvo de preconceito entre aqueles que dominam a forma “correta” de falar. Porém, o autor abre intuitivamente um outro dilema: será que os falantes cultos sempre falam como está escrito no papel? Ele mesmo dá a resposta com exemplos, e diz que qualquer falante culto comete “erros” quando está em situações de descontração e em que não precise usar termos complexos.
As aulas de Irene são baseadas em anotações que ela reúne para escrever um livro em que falará de fatores sócio-culturais, regionais, de idade e de sexo que influenciam o modo diferente de falar das pessoas e geram preconceito. Irene, personagem que aqui representa o próprio autor, leva o leitor a uma viagem pela historia de formação e origem da língua portuguesa para explicar as mudanças que ocorrem com o passar dos anos e que são responsáveis pelas variações lingüísticas. Ela reflete também sobre o fato de o português ter sido uma língua derivada, não do latim clássico, mas do latim vulgar, aquele que era falado pelos soldados nos campos de guerra e que veio para a Península Ibérica através dos romanos. Demonstra isso exemplificando que, pelo fato de o Brasil ter sido formado também por vários tipos de cultura é que as influências alteraram tanto o português falado pelos brasileiros.
Outro ponto que o autor lembra é a dinamicidade da língua falada. Fala-se, hoje, de um modo tão rápido que a pronúncia das palavras acaba passando por um processo de supressão fonética. É lembrado, também, o caso do plural, que não é respeitado pelo falante. Para todos esses “erros”, Bagno dá a resposta de como e por que eles acontecem.
Tudo isso é “ensinado” por Irene às alunas de modo simples e agradável, levando o leitor à reflexão de que a língua falada é dinâmica e de que o “Padrão” pode, daqui a alguns anos passar por mudanças tão significativas que um falante verá esse português de hoje como arcaico, do mesmo modo como o falante de hoje não entende claramente o português de Camões.
Mas, em nenhum momento, Bagno induz o leitor a abandonar e substituir o Português Padrão pelo Português Não Padrão. Ao contrário: ele defende que o estudo do Português Padrão é fundamental para que o usuário da língua saiba se comunicar com facilidade sendo melhor aceito socialmente.
No final da trama, Irene informa que publicará seu livro e que se chamará “A língua de Eulália”, porque Eulália em grego significa “a que fala bonito, a que fala bem, a que fala certo”.
Sobre o livro, publicado pela Editora Contexto, Sérgio Simka, professor de Português e redator de O Estado de São Paulo, diz, na contra-capa da 15ª edição de “A língua de Eulália”: “O autor faz um tema circunscrito à academia, aos especialistas, passar para a esfera dos mortais, dos não-iniciados, de tal forma que consegue prender até a atenção do leitor não muito familiarizado com o assunto”.
Por estes motivos e outros, não relatados aqui, é que A língua de Eulália é altamente recomendado a estudantes de todos os níveis de escolaridade, ou a pessoas que se interessem em fazer melhor uso da língua, pois este livro sabe fazer com que, através de análises dos “erros” o leitor entenda melhor os “acertos”, além de despertar a leitura de outros livros relacionados a esse assunto. Mas, é mais que recomendado a alunos de Letras, sendo até uma obrigação tê-lo como fonte de pesquisa ou simplesmente para uma rápida consulta.

Quem sou eu

Minha foto
Felicidade - Alegria - Prosperidade - Fé - Otimismo - Harmonia - Paz - Amor - Qualidade de Vida :) Casada com Thiago, mãe do Rafael, sou MONIQUE COSTA GARDINGO LACERDA mgardingo@gmail.com FORMAÇÃO ACADÊMICA: Graduação em Comunicação Social - Jornalismo. Pós-graduações lato-sensu: 1.Administração e Marketing. Gestão Estratégica, 2.Comunicação, Marketing e RH;

Um com Deus!

Deus está aqui... tão certo como o ar que eu respiro, tão certo como o amanhã que se levanta... tão certo como eu te falo e podes me ouvir!